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No horizonte, o céu está a escurecer e muda de cor verde-esmeralda para um azul-marinho profundo, diluído com verde como um mar glauco. Contra ele, os minaretes e cúpulas de Bayazit destacam-se numa unidade esplêndida, uma majestade incomparável, esculpidos, de ouro maciço... Discutimos a fantasia criada pelas cúpulas e minaretes. Descobrimos por fim a grandeza e magia da Constantinopla com que sonháramos.

Le Corbusier, A viagem do Oriente.

A proibição de construção de novos minaretes na Suíça, aprovada por uma maioria de 57,5 por cento no referendo de Novembro de 2009, deu origem a inúmeros debates políticos e sociais tanto no país como no estrangeiro. A xenofobia, islamofobia e o recrudescimento das políticas de extrema-direita na Europa, estiveram entre os temas mais discutidos. A contestação e as críticas partiram de diferentes grupos, incluindo o governo suíço, políticos de esquerda, organizações não-governamentais, a Igreja Católica suíça, o Vaticano e também as comunidades e países muçulmanos. A proibição causou uma profunda frustração no seio dos muçulmanos que vivem na Europa e em países muçulmanos e, como tal, a maioria das reacções que produziu estão, naturalmente, dominadas por sentimentos de desilusão e cólera. Contudo, como alternativa às reacções emocionais, poderá ser útil tentar fazer observações serenas, destituídas de juízos morais, e teorizar sobre os diferentes aspectos do incidente, de forma a entender os seus reais mecanismos.   
     O problema dos minaretes na Suíça pode ser generalizado como um problema de incompatibilidade entre um objecto e o seu contexto, e, nesta perspectiva, uma forma de teorização pode centrar-se nos significados arquitectónicos e urbanos do minarete em diferentes contextos espacio-temporais. Para poder fazer isto é necessário, em primeiro lugar, chegar a uma definição genérica do papel e natureza do minarete enquanto parte de um edifício e compreender a sua relação com os corpos arquitectónicos e urbanos a que está ligado. Um minarete é “uma torre alta e estreita acoplada a uma mesquita muçulmana, rodeada por uma ou mais varandas, da qual se faz soar o chamamento para a oração a horas determinadas”. Esta definição contém as pistas para duas características básicas que podem ser atribuídas ao minarete. A primeira característica é a de que não se trata de um corpo arquitectónico autónomo; é uma parte complementar e, como tal, ganha significado através da relação que estabelece com o edifício que complementa. Embora isto seja um atributo morfológico, a segunda característica está fortemente relacionada com a função do minarete: é uma estrutura totalmente extrovertida, sem praticamente qualquer espaço interior – à excepção de uma escada –, concebida para atrair a atenção das pessoas a partir do exterior, tanto visual como acusticamente. Assim, a segunda relação importante que contribui para o significado do minarete é aquela que ele estabelece com o seu ambiente físico – seja ele tecido urbano ou ambiente natural. Se nos debruçarmos sobre a sua relação com a mesquita e com o contexto físico mais alargado a que pertence, é possível falar de dois tipos de minaretes, que evoluíram através de transformações em diferentes zonas geográficas e períodos históricos. Os parágrafos que se seguem procuram descrever estes dois tipos e os diferentes significados arquitectónicos e urbanos que o minarete compreende em cada um.

TIPO 1

As origens do minarete remontam aos períodos pré-islâmicos das culturas da Ásia Central, onde servia como torre de vigia ou ponto de referência que facilitava a navegação das caravanas através de vastas estepes e desertos. A palavra “minarete” estava originalmente associada a conceitos, tais como vigilância e sinalização, e significava um tipo de estrutura vertical que chamava a atenção devido à sua escala, ornamentação e ao contraste que criava nas planícies. Com a autorização do Islão, os minaretes tornaram-se parte dos edifícios e complexos religiosos e adquiriram diferentes funções relacionadas com rituais religiosos, mas os exemplares na Ásia Central e no Irão mantiveram algumas das suas características originais. Os minaretes tradicionais da Ásia Central e da Pérsia são estruturas dominantes que quase ofuscam o corpo arquitectónico principal de que formam parte. São em si mesmo monumentos, dada a sua posição relativamente independente em relação à estrutura principal, dimensões e proporções, e os padrões e cores marcantes dos ornamentos que ostentam. As mesquitas tradicionais construídas nestas zonas geográficas são geralmente edifícios modestos, de cobertura plana – à excepção das mesquitas imperiais de grande escala, como a Mesquita de Shah, em Ispaão –, e os seus minaretes encontram-se ligados a uma esquina do edifício ou situados sobre uma entrada monumental. Por essa razão, o minarete e o edifício principal têm uma relação de adjacência, e não orgânica, o que confere ao primeiro um certo grau de autonomia. O minarete da Mesquita de Kalyan (1127), em Bucara (Turquistão), é um exemplo perfeito de um caso extremo em que o minarete ganha completa autonomia e domina a principal entidade arquitectónica.    
     As casas rasas e baixas das povoações tradicionais na Ásia Central e no Irão acentuam ainda mais o efeito destes impressionantes elementos verticais. O tecido urbano de cidades do deserto, como Yazd e Kerman, no planalto central do Irão, produzem o efeito de uma ligeira elevação no relevo acima da superfície da areia, e os minaretes, junto com as torres de vento, rasgam a paisagem de telhados rasos e homogéneos. Assim, o “tipo 1” pode definir-se como o tipo de minarete que tem um carácter dominante e semiautónomo e constitui, ele próprio, um ponto de referência.

TIPO 2

O minarete vai-se transformando, tal como a mesquita, ao ser levado para diferentes áreas geográficas e culturas ao longo da história. A arquitectura clássica otomana é conhecida pela sua interpretação original da estrutura da mesquita como um híbrido que faz uma síntese de aspectos das construções religiosas da Ásia Central e do Médio Oriente com a arquitectura bizantina. A disposição horizontal dos edifícios religiosos islâmicos adquire uma dimensão vertical na arquitectura otomana através da utilização da cúpula como unidade básica estrutural e espacial. O efeito vertical é conseguido através de uma compilação em gradação ascendente de cúpulas organizadas hierarquicamente em torno de uma cúpula central, permitindo que a mesquita cresça organicamente no interior da escala mais pequena do tecido urbano que a rodeia. Isto é especialmente verdade no que respeita às mesquitas clássicas de Istambul, que formam a silhueta da cidade histórica. 
     Os minaretes das mesquitas clássicas otomanas são diferentes dos da Ásia Central, Pérsia ou da Arábia em termos de escala, proporções, relação com o corpo principal da mesquita e da sua aparência no interior do tecido urbano. As mesquitas otomanas do período clássico possuem minaretes mais esguios, que se erguem simetricamente em volta ou em frente da cúpula central, como partes integrantes da organização espacial e estrutural do edifício. Ao contrário dos exemplos descritos no “tipo 1”, estes minaretes não competem com a estrutura principal; pelo contrário, como elementos secundários mais leves, enfatizam a sua grandeza e contrabalançam a sua massa sólida.
     A relação que estabelecem com o tecido urbano circundante é igualmente diferente da dos minaretes do primeiro tipo e, mais uma vez, pode ser exemplificada pelo papel histórico da cidade de Istambul. As elevações e declives graduais das massas de mesquitas na topografia acidentada de Istambul criam uma silhueta ondulante na qual as cúpulas, os minaretes e o tecido urbano circundante se fundem como partes de um todo. Os minaretes criam um ritmo urbano a par de outros elementos que dão ênfase à verticalidade e o seu conjunto forma a paisagem que fascinou Le Corbusier durante o período que passou em Constantinopla, em 1911. Este segundo tipo de minaretes adquire o seu significado especial enquanto elemento secundário que contribui para unificar as várias entidades arquitectónicas e urbanas em seu torno, através da repetição, ao invés de se destacar como estrutura única.

O MINARETE EM TERRAS CRISTÃS

Os tipos acima descritos possuem obviamente generalizações e categorizações grosseiras que excluem exemplos intermédios, formados pela interacção e sobreposição de diferentes culturas islâmicas, a fim de melhor demonstrar as duas posições extremas que o minarete adquire em relação com o seu contexto físico. Os tipos e categorias tornam-se mais complexos e atípicos à medida que as mesquitas e minaretes são construídos em solo estrangeiro, onde o Islão não é a religião predominante, como é o caso dos países europeus. A construção de edifícios religiosos islâmicos na Europa tem uma longa história, que remonta às mesquitas construídas pelos invasores mouros na Península Ibérica e, mais tarde, pelos governantes otomanos nos Balcãs e no Leste da Europa. No entanto, o forte crescimento do número de mesquitas – e, como tal, de minaretes – nas cidades europeias deu-se com a chegada em massa de trabalhadores imigrantes vindos de países não europeus, na segunda metade do século xx. Neste contexto, a mesquita ganhou o estatuto de edifício que servia uma minoria, na maior parte dos casos, social e economicamente desfavorecida.
     Nesta altura faz sentido fazer uma pergunta básica acerca da posição e significado dos minaretes das mesquitas nas cidades europeias, relacionada com a discussão sobre as duas tipologias: serão os minaretes das cidades europeias de tipo 1 ou de tipo 2? 
     O estatuto da mesquita no contexto europeu define inevitavelmente a posição e o significado do seu minarete – se o possuir –, e conduz a uma possível resposta à questão. Uma vez que a mesquita numa cidade europeia não pode nunca ocupar ou ter uma escala monumental quando comparada com os edifícios nativos religiosos ou públicos, o seu minarete também não pode reclamar um papel dominante enquanto ponto de referência único, como os minaretes do “tipo 1”. Do mesmo modo, é impossível que os minaretes das mesquitas nas cidades europeias funcionem como um grupo de elementos secundários que interajem para unificar o tecido urbano circundante, uma vez que nem chegam a ser em número adequado nem as suas relações espaciais o permitem. Assim sendo, pode deduzir-se que os minaretes europeus também não são de “tipo 2”. Se continuarmos a teorizar acerca da posição do minarete no contexto urbano europeu, podemos concluir que o mesmo tem uma existência ténue: não tem o poder de dar forma ao ambiente físico (tipo 1) nem de que este lhe dê forma (tipo 2). Ergue-se pela força da minoria que representa, mas não possui os meios ou condições para se relacionar com o contexto urbano existente.

A FUNÇÃO DA PROIBIÇÃO

Regressando à questão política, é legítimo pensar-se que a proibição do minarete na Suíça pode funcionar como um instrumento que leve o minarete a adquirir pela primeira vez um significado substancial no contexto europeu. A proibição funciona a dois níveis elementares que conduzem a este desfecho: 1. Separa o minarete da mesquita, ao banir apenas este elemento. Assim, o minarete ganha independência e visibilidade e começa a dominar a mesquita, dada a importância desigual que lhe é atribuída; 2. Dá um significado altamente simbólico aos únicos quatro minaretes construídos na Suíça (em Zurique, Genebra, Winterthur e Wagen bei Olten) e monumentaliza-os ao proibir futuras construções. Em resultado disto, os minaretes da Suíça parecem conseguir atingir uma identidade que podemos associar aos minaretes do “tipo 1”, que são monumentos dominantes e semiautónomos de grande valor simbólico. E a principal razão para isto é o enorme paradoxo que a proibição dos minaretes contém na sua essência: dá visibilidade a um objecto “estrangeiro” ao procurar fazê-lo desaparecer.|

tradução (do inglês) de João Carvalhais


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